É possível aplicar metodologias ágeis em escritórios jurídicos?

11/05/2021

Sem pestanejar, respondo que SIM. No entanto, há duas perguntas que antecedem a esta: seu escritório está aberto a uma possível mudança de cultura para implantar metodologias ágeis? No seu entendimento, isto lhe trará retorno positivo?

O ser humano, assim como os mamíferos em geral, tende à inércia e é preciso haver uma motivação impulsionada pela necessidade para sair desta inércia. A pandemia da COVID-19 foi esta motivação e abriu, ou melhor, escancarou as portas da inovação. Na verdade, ela evidenciou o que todos nós, que já havíamos sido contagiados pelo vírus da inovação há algum tempo, já falamos: é preciso haver a dor real, sair de nossa zona de conforto, para dar lugar ao novo, à inovação. E foi exatamente o que aconteceu em 2020, vivemos a dor da urgente necessidade de mudança. E o que aconteceu? Mudamos!

A partir desta urgência, as empresas começaram a ver com outros olhos que precisavam ser ágeis. No entanto, é fundamental termos em mente que, se tudo der certo, a COVID-19 encerrará seu ciclo de devastação e entrará num estágio de “normalidade” e passaremos a coabitar este mundo com este vírus, assim como com tantos outros e, não obstante, há muito, o mundo não é mais o mesmo, a internet e a sociedade da informação e do conhecimento, o mundo BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear, and Incomprehensible ou, em português, Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível), que nos transporta da realidade das incertezas (mundo VUCA) para a do caos, seguirão seu curso e, por consequência, as palavrinhas “metodologias ágeis”, caíram no gosto popular e se mostram como a fórmula mágica para resolver nossos problemas, mas estas metodologias, por si só, não resolverão seus problemas de agilidade e adaptação ao caos.

Antes de implantar qualquer metodologia, seja ela ágil ou não, é preciso conhecer a filosofia por trás dela. No caso das metodologias ágeis, é fundamental ter-se em mente que não se trata apenas de uma metodologia, mas de uma MENTALIDADE. Ser ágil, não significa, necessariamente, ser rápido, mas ser/ estar apto a mudanças, a ter foco nos indivíduos e suas interações. É fundamental ter ciência de que, sem uma mudança de cultura da empresa, em outras palavras, sem migrar de uma cultura de estruturas extremamente hierarquizadas, de micro gerenciamento, para uma cultura da confiança, de uma maior autonomia, com times mais colaborativos, autogerenciáveis e menos hierarquizada, não há transformação ágil

O movimento ágil surge em 2001, através de um manifesto criado por um grupo de desenvolvedores de software (https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html) e ele é baseado em 4 pilares: (1) indivíduos e interações mais que processos e ferramentas; (2) software (produto/ serviço) mais que  documentação abrangente (MVP); (3) colaboração com cliente mais que negociação de contratos; (4) responder a mudanças mais que seguir um plano. Note aqui que o primeiro elemento não invalida o segundo, apenas o coloca numa posição de prioridade. O Manifesto ágil não abre mão de processos, documentação, contratos ou planos, mas nos chama a atenção para o que deve ser prioritário.

Além dos quatro pilares, o movimento ágil também se apoia em doze princípios, os quais podem ser encontrados na página do manifesto, acima mencionada, mas que, basicamente, reforçam a importância da geração de valor para o cliente, para a empresa e para os colaboradores, o que, necessariamente, demandará, por parte dos líderes da organização ou, no nosso caso, do escritório, uma visão sistêmica e compreensão do universo em que se está inserido e, a partir desta visão, aliada à geração de valor, ambiente de confiança, autonomia e responsabilidade a empresa será capaz de definir qual(is) metodologia(s) poderão ser melhor aplicadas.

No universo jurídico, já existem algumas bancas e departamentos jurídicos de empresas que implantaram metodologias ágeis em seus ambientes, mas, primeiro, passaram por uma fase de experimentação, sempre guiados por profissionais aptos a conduzir, a facilitar, esta transformação, com pequenos times multidisciplinares, de estrutura horizontal, onde os fluxos de trabalho são mais importantes do que os cargos que cada membro do time ocupa na organização e onde há foco no desenvolvimento de um único produto ou serviço a cada ciclo de trabalho, com capacidade de se ajustar às necessidades de mudança ao longo dos percursos. O resultado destas experimentações foi não apenas uma maior agilidade na resolução do problema, ou criação do produto ou serviço, mas, sobretudo, o alto valor do produto entregue no prazo que se havia estipulado. E, ao perceberem, a partir destas experimentações, o quanto estas metodologias ágeis trouxeram de retorno, estas organizações passam a ampliar tais práticas dentro de seus ambientes de negócio.

Portanto, não existe a melhor metodologia ágil a ser implantada, seja ela Scrum, Kanban, ou qualquer outra; tampouco qual o nicho de negócio para fazê-lo, mas, a partir desta mudança de mentalidade, identificar a que melhor se adequará a seu negócio e o melhor caminho a ser trilhado e, para tanto, deve-se sempre começar pequeno, por meio da experimentação, da prototipagem, ajustando e se desenvolvendo de forma orgânica e responsável e sempre ciente de que, acima de tudo, esta mudança necessita de um ambiente seguro e respeitoso, onde as pessoas se sintam felizes e motivadas para atuar para muito além de seus cargos, mas pela busca do melhor valor a ser entregue à sociedade.

Autora: Valéria Queiroz